STJ e a tese sobre responsabilização por danos ambientais

A preservação do meio ambiente é interesse de todos. E, por ser um dever que extrapola a esfera individual, ela traz consigo responsabilidades que, necessariamente, devem ser compartilhadas.

Há, quanto a este ponto, uma interdependência entre os particulares que, se não observada, acaba por reduzir ou mesmo inviabilizar os esforços de preservação de toda uma coletividade. Por isso, a fiscalização exerce um papel tão importante para o sucesso de qualquer política ambiental.

No que concerne ao direito imobiliário e fundiário, a premissa se confirma. Se um imóvel particular, seja ele urbano ou rural, tem, por exemplo, o solo contaminado, a obrigação de reparar o dano é do proprietário atual e de todos os outros que já o foram ou virão a sê-lo, durante o período em que o problema existir.

Existe, por lei, um compartilhamento de responsabilidade que atende ao princípio referido acima e permite à autoridade zelar pelo bem comum. Isso não é nenhuma novidade, mesmo porque esse tipo de discussão vem, pelo menos, desde Francisco de Vitória (1480-1546) – ou até muito antes dele.

Na nossa realidade atual e em consonância com o que se destaca acima, o Superior Tribunal de Justiça, em julgamento realizado no dia 13 de setembro de 2023, fixou o tema repetitivo 1204, que consolida um entendimento já bastante consistente na sua jurisprudência e que, inclusive, já estava parcialmente sumulado pela Corte Superior.

O tema fixado diz que “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo possível exigi-las, à escolha do credor, do proprietário ou possuidor atual, de qualquer dos anteriores, ou de ambos, ficando isento de responsabilidade o alienante cujo direito real tenha cessado antes da causação do dano, desde que para ele não tenha concorrido, direta ou indiretamente.”

Sobre essa mesma matéria, já estava sedimentado pela Súmula 623 do STJ, que “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor.”

Esse entendimento reforça a responsabilização objetiva e solidária dos proprietários de imóveis por danos ambientais verificados em suas propriedades. Segundo o texto do tema 1204, no entanto, estaria isento de responsabilização o antigo proprietário que alienou o bem antes da ocorrência do dano, desde que não tenha, de alguma forma, com ele concorrido.

O problema é que, no texto do acórdão que fixou o tema, não ficou estabelecido nenhum critério específico de distribuição do ônus da prova. Ao contrário disto, o acórdão deixou expresso que tal ônus deve ser distribuído de acordo com as particularidades de cada caso, nos termos da regra do art. 373, §1°, do CPC.

Por força disto, o antigo proprietário de um imóvel que o alienou antes da verificação do dano ambiental poderá ser processado pelas autoridades competentes, devendo restar demonstrado nos autos que ele não contribuiu com a ocorrência do dano ou, no mínimo, que não existem provas suficientes para sua responsabilização – a depender de como o juiz da causa distribuirá o ônus.

Vê-se, portanto, que o tema 1204 do STJ reforçou a jurisprudência recorrente da Corte, revitalizando o que já estava previsto, inclusive, na súmula 623, muito embora tenha inovado com o estabelecimento de uma exceção expressa à responsabilidade solidária e objetiva dos antigos proprietários, deixando uma porta aberta para os tribunais inferiores discutirem sobre a distribuição do ônus da prova.

Diante disto, a cada caso, será decidido se o antigo proprietário deverá provar que não deu causa ao dano ambiental verificado posteriormente à alienação do bem, ou se deverá ser demonstrada, pela parte interessada, sua contribuição para o dano ambiental para que ele venha a ser responsabilizado.

Apesar dessa decisão ter efeitos importantes para os produtores rurais, que deverão se manter atentos às questões ambientais relacionadas às terras em que desenvolvem suas atividades, também deve ser notado que, neste ponto, a realidade do Agro brasileiro é muito diferente do que se alega em algumas oportunidades.

Temos uma produção agrícola altamente sustentável e eficiente, que ocupa cerca de 30% do nosso território e não precisa de ampliação, pois as novas tecnologias nos permitem aumentar a produtividade, sem a necessidade de maior cobertura territorial agrícola.

Por força dessa visão que é compartilhada pela grande maioria dos produtores rurais brasileiros, a regularização de áreas em que existam situações de dano ambiental é algo que, no fim das contas, traz grandes benefícios ao produtor, especialmente para os casos em que suas culturas dependem de bons certificados de origem para serem comercializados com maior valor agregado ou poderem acessar mercados mais exigentes.

Por esse motivo, o precedente fixado pelo STJ no tema 1204, em verdade, estimula ainda mais a regularização das áreas rurais em que possa haver algum tipo de dano ambiental, muito embora nossos produtores rurais já tenham muito claro para si próprios que um meio ambiente mais saudável é crucial para o melhor aproveitamento de suas culturas.

* José Nantala Bádue Freire é consultor em Agronegócio do Miguel Neto Advogados

Obs: As ideias e opiniões expressas neste artigo são de responsabilidade exclusiva de seu autor e não representam, necessariamente, o posicionamento editorial da revista Globo Rural

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Publicado em Globo Rural.

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